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O DILEMA MORAL DAS GRATUIDADES DE CUSTAS E DE EMOLUMENTOS

          

 por Gilson Carlos Sant’ Anna


Gratuidades têm custos e, conseqüentemente, dependem de recursos para que possam ser concretizadas. Dessa forma, é preciso observar que a execução das gratuidades de custas e de emolumentos depende de investimentos em procedimentos, pessoal qualificado, material e estrutura.

Neste sentido, portanto, é preciso reconhecer que a realização do direito de gratuidade de custas e emolumento tem custo e, conseqüentemente, dependem de recursos para que possam ser concretizados. 

Sendo finitos os recursos, as gratuidades não deveriam ser indiscriminadas, pois o Estado, bem como notários e registradores, precisam atender da maneira mais adequada os seus propósitos. Deve agir, pode-se dizer, com eficiência. Em nível abstrato, isso faz perfeito sentido.

Vale lembrar: os recursos públicos são finitos e o Estado, os notários e os registradores devem atender, também, a toda a sociedade. Dessa forma, a despesa com o fornecimento de gratuidades indiscriminadas pode ser entendida como injustiça social, pois o valor gasto com essa despesa poderia beneficiar um número muito maior de outros cidadãos. 

Colocando-se os aspectos jurídicos de lado, é possível verificar que questões de natureza moral se fazem presentes e, efetivamente, explicitam a necessidade de se repensar essas gratuidades, tendo em vista o impacto das mesmas para a sociedade como um todo.

Uma polarização dos argumentos pode ser sugerida a partir de duas concepções filosóficas, uma decorrente do utilitarismo – pela qual a decisão moralmente correta é aquela que promove a maior utilidade para o maior número de indivíduos – e a outra, proveniente da concepção de justiça como equidade - pela qual os indivíduos teriam direitos irrenunciáveis e que não seriam passíveis de restrição ou flexibilização, ainda que em prol de benefícios à coletividade. 

São duas concepções morais que podem ser pensadas como antagônicas, mas que sustentam uma mesma decisão, quando se observa que o cidadão tem direito a gratuidade. Entretanto, deve haver a fixação, de requisitos que possam prevenir o comprometimento excessivo desses recursos.
 
No entanto, pode-se desenhar uma saída mista e híbrida para o crucial debate sobre a obrigação de se fornecer gratuidades de custas e de emolumentos, a qual pode ser vista como uma evidência da idéia de concepção sobreposta (overlapping consensus) do filósofo John Rawls, que pode ser entendida (resumidamente e neste caso concreto) como uma concepção política da justiça formada a partir de idéias intuitivas do ser humano e que não dependem exclusivamente de quaisquer argumentos religiosos, filosóficos, metafísicos ou jurídicos. A concepção de justiça seria, então, aceita coletivamente apesar da existência de concepções doutrinárias diferentes entre os indivíduos.

Sugere-se como critério de razoabilidade para se garantir o direito à gratuidade de custas e de emolumentos quando o cidadão demonstrar não ter condições financeiras para arcar com os custos do processo e dos atos notariais e registrais, conjugando-se, dessa forma, o direito fundamental de acesso a justiça e aos serviços notariais e registrais (pela moral da justiça como equidade) e a preservação da capacidade do Estado e das serventias notariais e registrais a continuarem a manter a tutela de direitos à coletividade (pela moral utilitarista).


Gilson Carlos Sant’ Anna
Delegatário do Segundo Ofício de Justiça de Nova Iguaçu
Doutor em Direito Econômico – UGF
Mestre em Administração Pública – FGV/RJ
Especialista em Direito Público - UFF

 

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